Nunca fui muito fã de romances policiais, confesso. Mas esse me prendeu (com o perdão do trocadilho óbvio). “O Silêncio da Chuva”, primeiro livro do carioca Luiz Alfredo Garcia-Roza, é daqueles que a gente começa e não consegue largar, daqueles que a gente fica logo íntimo dos personagens e se reconhece em alguns deles. Em suma: é bom, muito bom.
O fato da história se passar no Rio, em lugares que muitos conhecem ou frequentam, como o Bar Luiz, o Parque Lage e o Bairro Peixoto, traz a trama pra perto do leitor. Além disso, o texto é direto e sem a afetação que costuma marcar esse gênero literário.
Mas, na minha opinião, o que torna tudo ainda mais interessante é o homem por trás da obra. Nascido em 1936 e formado em filosofia e psicologia, Garcia-Roza foi professor da UFRJ por quase 40 anos e deixou a vida acadêmica para virar escritor. Lançou “O Silêncio da Chuva” aos 60 anos e, atualmente, já tem mais de oito livros publicados. Só pela coragem de largar uma carreira sólida e realizar um sonho aos 60 anos de idade, o cara já merece o meu respeito. Ele podia se dar ao luxo apenas de brincar de escrever, mas, ainda por cima, tem talento. Prova disso é que o livro ganhou um Jabuti, um dos prêmios literários mais importantes do Brasil, em 1997, ano de seu lançamento, e já foi publicado em nove países.
Na história, o honesto inspetor Espinosa – personagem também de outros quatro livros do autor e uma clara homenagem ao filósofo Espinoza – tenta desvendar a morte de um executivo no edifício-garagem do Menezes Cortes com a ajuda de seu fiel escudeiro, detetive Welber (impossível aqui não lembrar da dobradinha Holmes/Watson das obras de Conan Doyle). Mas não pensem que o livro é uma imitação barata das aventuras dos investigadores britânicos. Ele bebe na fonte, claro, mas tem fôlego para andar com suas próprias pernas.
A diferença desse romance policial está na forma de apresentar seus personagens. Psicológica, sutil, a descrição vai ganhando contorno nos detalhes. Suas características são marcadas mais por variações internas do que por simples características físicas, de idade ou de roupa. O próprio inspetor Espinosa (seria ele um alter ego de Garcia-Roza?) se revela aos poucos através de frases como:
“A presença de Bia continuava me perturbando. Alba também me perturbara. Perturbações diferentes. Se ambas eram intensas, a provocada por Bia era, além de intensa, extensa, afetava uma região maior do meu ser. Possuía ainda outra característica, que era a de permanecer por mais tempo”. Página 146.
Ou então:
“Abri as duas bandas, mesmo correndo o risco de deixar a chuva molhar o tapete, para ver se, com mais ar circulando, meu estado de espírito melhorava. O que houve foi um encontro entre a exterioridade do dia e minha interioridade, ambas cinzentas”. Página 124.
Por essas linhas, emerge o filósofo e o psicanalista Garcia-Roza. Mas não seriam, por analogia rasa, filósofos e psicanalistas grandes investigadores da mente humana? Não seriam eles grandes detetives? Sendo assim, a escolha do autor por um romance policial na estreia não poderia ser mais adequada. Ele tem bagagem de sobra para se arriscar no tema. Mais do que um crime, nessa obra o inspetor Espinosa investiga a alma humana e, de quebra, a sua própria.
Elementar, meus caros leitores.